Nenhum dos 250 artigos da Constituição Federal menciona o chamado "sigilo bancário", embora juristas apontemno como desdobramento da garantia fundamental à intimidade (artigo 5º, inciso X).
Dada a natureza tipicamente individual desse direito, chamou a atenção o debate travado no Supremo Tribunal Federal entre o BNDES e o Tribunal de Contas da União a respeito de um alegado sigilo de operações de crédito envolvendo recursos públicos.
O mandado de segurança impetrado pelo BNDES contra decisão do plenário do TCU que determinou o fornecimento de informações indispensáveis à realização de auditoria em contratos de empréstimo celebrados pelo banco público atraiu olhares pelo inusitado do fundamento jurídico utilizado.
Se o alvo da fiscalização era o banco, e não seu cliente, se o objeto da auditoria era a verificação do cumprimento das normas legais e contratuais que regulam a concessão de empréstimos a juros subsidiados e a mitigação de riscos de inadimplência, e não o destino dado ao dinheiro pelo cliente, resta saber: de que sigilo falava o BNDES?
Cabe registrar por primeiro que a "intimidade" está enquadrada entre as garantias fundamentais asseguradas aos indivíduos e é, indubitavelmente, exercitável por particulares –pessoas naturais ou jurídicas– contra o Estado. É dizer, essas garantias representam liberdades públicas que limitam o avanço do Estado sobre a autonomia privada.
É certo que durante algumas décadas se cogitou que as garantias fundamentais poderiam representar exclusivamente uma proteção jurídica dos indivíduos frente ao Estado. Com o desenvolvimento da teoria constitucional europeia, concluiuse pela existência do "drittwirkung", a oponibilidade da eficácia dos direitos fundamentais contra terceiros, também particulares.
Ocorre que nem a mais criativa das correntes doutrinárias foi capaz de sustentar, como pretendeu o BNDES, a existência de direito à privacidade em favor do Estado a ser exercitado no mesmo âmbito federativo contra o próprio Estado.
O TCU exerce semelhante fiscalização sobre o outros bancos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, sem que alegações de sigilo bancário sejam utilizadas para sonegar da corte dados indispensáveis à realização de sua tarefa de fiscalização, controle e zelo pelo bom uso do dinheiro público.
O BNDES desejou invocar garantia que a Constituição assegurou aos indivíduos, não ao Estado. Pretendeu convencer o STF de que o dinheiro dos cidadãos brasileiros poderia ser aplicado em transações opacas, blindadas contra o exame da instituição que a Carta Magna indica como responsável pelo controle externo das contas nacionais.
O esforço despendido por setores da administração para manter seus atos à margem da lupa dos auditores do TCU impressiona.
Neste momento, o tribunal avança sobre estruturas societárias complexas que acabam por constituir um "Estado paralelo" de sociedades de propósitos específicos (SPE)cujo patrimônio não é mencionado no Balanço Geral da União, permitindo que recursos públicos sejam drenados como se fossem privados.
O TCU é instituição centenária com elevado saldo de bons serviços prestados. Sua atuação técnica, impessoal e desassombrada tem garantido rigor no exame da legalidade, legitimidade e economicidade dos atos da administração em um momento delicado como este.
Subtrair do tribunal o acesso a informações necessárias à fiscalização do emprego de dinheiro público equivale a amputálo. A tardia decisão do BNDES de divulgar na internet parte das informações sobre suas operações representa avanço institucional, embora não se deva olvidar dos embates e do contencioso judicial que a antecederam.
Decerto foram determinantes para essa medida a persistência do TCU e a assertividade do STF, que finalmente lançaram um feixe de luz sobre essa seara governamental que se pretendeu manter à sombra.
Fonte: Conjur
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