O Brasil reconhece que existem diferenças entre as pessoas e que parte da população sofre com o racismo, desfazendo o ideal que perdurou por séculos de que o país vivia o mito da democracia racial. A afirmação é da professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Tânia Müller, que participou hoje (21) do Colóquio Internacional Relações Étnico-Raciais e Políticas Públicas, que ocorre até sexta-feira (23) no Rio de Janeiro. Até amanhã, as atividades serão no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ). Na sexta-feira, as discussões e atrações culturais serão na Escola Sesc Ensino Médio, em Jacarepaguá.
Tânia apresentou sua pesquisa de doutorado, em que analisou trabalhos acadêmicos sobre a representação do negro em livros didáticos. A conclusão da pesquisa é que, apesar de algumas melhoras, a população negra continua sendo representada apenas para ilustrar a escravidão no Brasil. “Não apresenta um negro com a família passeando no shopping, um médico negro da atualidade, contando questões atuais. Ou seja, quando você vê falar do negro no livro didático, ele ainda está restrito à escravidão. Essa é uma predominância denunciada nessas pesquisas”.
De acordo com Tânia, a Lei 10.639/03, que institui o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, melhorou a situação, mas não o suficiente. “A lei melhorou bastante, tem diversos projetos, houve modificações. Se você comparar o livro didático de agora com o de 2003, tem uma outra perspectiva, mas ainda pode ser melhor. O racismo ainda é predominante, a gente não consegue vencer rapidamente o racismo. A grande vantagem da lei é que ela colocou o racismo em pauta, quando o racismo tinha ficado escondido. Era a história de que somos todos miscigenados, que é o mito da democracia racial que se fala. Na verdade, esse conceito vem camuflar o racismo e as hierarquias entre o branco e o negro”.
Tânia cita também cursos, graduações e pós-graduações que foram abertas no Brasil nos últimos anos sobre relações étnico-raciais, que vão proporcionar uma geração futura menos racista. “A gente não vai conseguir mudar a cabeça das pessoas mais velhas, porque nós vivemos em uma sociedade racista, fomos formados para isso. Mas a gente precisa formar as novas gerações, então há a preocupação na formação docente, para que os professores tenham esse cuidado dentro da sala de aula. Eu não estou preocupada só com eles, mas com as crianças que estão chegando na escola. Nesta geração talvez a gente não veja isso, mas na nova geração, daqui a 30 anos, a gente vai ver pessoas que terão essa visão mais naturalizada sobre as diferenças”.
A professora do Cefet-RJ Renilda Barreto, uma das organizadoras do evento, explica que o objetivo do colóquio é debater com a comunidade acadêmica e, a sociedade como um todo, os avanços do país na luta pela igualdade racial. “Na década internacional dos afrodescendentes, nós vamos discutir as questões do preconceito, a xenofobia, racismo, sexismo, trazer para o debate quais as políticas públicas de minimização das desigualdades sociais que o Brasil implementou ao longo dos últimos anos e o que ainda precisa ser feito”.
O professor Kabengele Munanga, da USP, que falou pela manhã sobre a política do reconhecimento da diferença, também considera que houve avanços no país e que é importante o diálogo com os educadores e estudantes. “Estamos em um processo de educar de uma maneira diferente os jovens brasileiros, uma cidadania diferente, onde valoriza a diferença e a diversidade, que é nossa riqueza, e não uma pobreza. É um dos caminhos para lutar contra outros vários tipos de preconceito, que passam pelas diferenças: em vez de valorizar as diferenças ele [o preconceito] constitui uma fonte de discriminação e de desigualdade. Então o encontro é importante nesse sentido, faz parte do processo de mudança no Brasil”.
Edição: Fábio Massalli Akemi Nitahara - Repórter da Agência Brasil
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